Mãe tentando desesperadamente salvar seu filho da igreja
A pensionista Sueli Ferreira de Moura, 42, tomou uma atitude extrema, inusitada, em Campo Grande: ela se prendeu a uma corrente em frente ao templo da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), um palacete construído na Avenida Mato Grosso, uma das vias mais importantes e antigas da cidade.
E o motivo? “Essa igreja enlouqueceu o meu filho e a população dessa cidade precisa saber disso”, é a justificativa da mulher.
Sueli disse que o filho atua como “obreiro voluntário” da IURD desde maio de 2008 e que, desde então, o adolescente, segundo ela, virou uma “espécie de escravo” da comunidade religiosa.
“Fizeram uma lavagem cerebral no guri. Ele deixou o trabalho por dizer que seu compromisso é com a igreja. Arranjou problemas na escola por conta da igreja, um inferno virou nossas vidas”, protestou.
Ela afirmou que em novembro do ano passado, por não admitir mais a influência sofrida pelo adolescente, ela invadiu o templo da igreja, num dia de culto, assistido por ao menos uma centena de pessoas.
O resultado da “atitude desesperada”, segundo a mulher: um boletim de ocorrência na polícia por crime de perturbação e agressão. “É, eu estou fichada agora por tentar proteger o meu filho”, disse ela.
Sueli disse que tentava falar com um pastor da igreja que teria dito ao filho que ele precisaria emancipar-se [tornar-se responsável pelos atos] da família porque viraria pastor logo.
A mãe quis saber na igreja se era verdade o dito pelo rapaz. “O pastor não quis conversar comigo. Eu ia lá [templo da IURD] e nada de diálogo. Resolvi, então, conversar com ele durante o culto, sabia que naquele dia o encontraria. Foi o que fiz, mas fui dominada antes de se aproximar do local”.
Esse episódio está registrado em boletim de ocorrência policial. Sueli disse ter sido dominada por um homem que identificou-se como delegado da Polícia Civil. “Ele apertou o meu braço e revistou-me apalpando meu corpo todo”.
A mulher contou também que dali do templo foi levada num camburão da Polícia Militar para a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento ao Cidadão), onde lá ficou sabendo que o homem que se apresentou como delegado na realidade era o major Haroldo Luiz Estevão, membro da igreja.
A mulher disse ter ficado detida na delegacia e contra ela a Polícia Civil abriu um inquérito por crime de perturbação de sossego. Ela levou o caso à Corregedoria da PM, que apura o caso.
Sueli disse que veio de Recife (PE) em 2007 e, desde então mora em Campo Grande com os três filhos, hoje com 10, 17 e 22 anos de idade. Os dois mais velhos ingressaram na igreja assim que vieram para cá.
Ela disse que o filho maior deixou a igreja tão logo soube que teria de dividir parte do dinheiro com a igreja. O filho do meio, à época com 14 anos de idade, disse a mãe, “foi seduzido pela igreja”.
Na metade de 2008, Sueli conta que o rapaz apareceu em casa com um saco cheio de caramelos que teriam sido adquiridos por uma “obreira” da igreja. O menino disse que venderia as balas nas ruas centrais de Campo Grande, nos semáforos.
Sueli achou que o menino seria recompensado financeiramente, mas não foi isso que aconteceu. “Todo o dinheiro era entregue à igreja”, disse a pensionista.
Entre outubro e novembro daquele ano, o adolescente conseguiu um emprego numa farmácia, mas saiu de lá três meses depois por influência da igreja, segundo a mãe. “Meu filho disse que o compromisso dele era com a igreja e que o trabalho atrapalhava suas missões”.
O rapaz voltou a vender balas e a entregar o dinheiro arrecadado à igreja, segundo apurou a mãe.
Sueli disse que o filho, obreiro voluntário da Universal, estudava até o ano passado na Escola Estadual Luiza Vidal Borges Daniel, no conjunto Buriti e, por problemas supostamente gerados pela igreja, o adolescente teve de ser transferido para a Escola Joaquim Murtinho, centro da cidade.
Sueli disse que era convocada pela diretora da escola Luiza Vidal “quase todos os dias”. Cursando o 9º ano em tempo integral, certa vez, segundo a mãe, o adolescente foi chamado à atenção porque tentou impedir os colegas de assistirem um filme posto pela professora da turma.
O rapaz mexeu no DVD e quis convencer os colegas a assistirem a um documentário que falava sobre o bispo Edir Macedo, que fundou a Universal em 1977, 33 anos atrás. Nesse dia, ele foi parar na secretaria.
Numa outra ocasião, o adolescente pediu a chave de uma sala para a direção da escola, que negou. Passado alguns dias, o rapaz conseguiu pegar a chave sem que os professores vissem e se trancou com colegas numa sala que estava vazia. Lá, segundo a mãe, os meninos começaram a gritar o nome de Jesus e isso atraiu a atenção dos diretores e alunos.
O adolescente foi aconselhado a sair de lá, mas o menino teria dito que não e que a recusa de deixar eles ficarem ali seria “coisa do demônio”. Por conta desse episódio mãe e filho foram parar no Conselho Tutelar.
Mesmo prometendo à mãe que não trataria mais com assuntos ligados à religião, o adolescente retomou suas investidas religiosas na escola, tentando atrair a atenção de outros colegas. Sueli disse que o pai de um aluno cujas ideias do filho o seduziram foi à escola ameaçar de morte o adolescente.
Sueli, então, transferiu o filho para a Escola Joaquim Murtinho, no período da noite. A promessa do menino era a de que se ele estudasse à noite poderia arranjar um emprego. Ocorre que, segundo a mãe, o rapaz faltava às aulas para exercer atividades ligadas à igreja. Sueli voltou a matricular o filho no período do dia.
Entre o fim de 2008 e início de 2009, o garoto, segundo Sueli, trabalhou por três meses numa farmácia da Capital. Mas, ainda conforme ela, por influência da igreja, o rapaz deixou o emprego porque estaria “sem tempo” para dedicar-se a missão religiosa. O ganho com a rescisão trabalhista foi todo para a igreja.
Sueli disse ainda que nos últimos meses o filho pega as roupas novas e as distribui na rua por conta do legado religioso. “Ninguém daqui de casa confia mais nele, ele carrega tudo e doa principalmente para os projetos da igreja”, disse Sueli.
A pensionista disse ainda que confiscou uma caderneta guardada pelo filho, onde aparece somas de dinheiro gastas com os projetos da igreja. “Meu filho arrecada dinheiro para pagar até ônibus fretado para carregar gente interessada em assistir cultos na igreja, isso é um absurdo”, afirmou.
Hoje pela manhã, segundo Sueli, o filho vendia salgados junto com uma fiél da igreja, a quem chama de "obreira". E o dinheiro arrecadado, disse ela, deve ser entrega aos pastores da Universal.